Já pedi à minha querida esposa: «No dia em que eu começar a lançar suspiros para o ar e a dizer que no meu tempo é que era bom, vai à gaveta da cozinha e agride-me com o martelo dos bifes.» «No meu tempo é que era bom», «a juventude está perdida», «hoje em dia já não há respeito» e outras expressões parolamente melancólicas como estas são uma das coisas mais irritantes - e mais mentirosas, já agora - que existem no mundo. Soam-me sempre a conversa de velhinho gagá, com pantufas de lã nos pés e fotos amarelecidas a desfazerem-se entre os dedos. Ou então a discurso de taxista maldisposto, daqueles que defendem a necessidade de «um novo Salazar» para pôr o país «na ordem».Nestas coisas dos costumes faz sempre falta alguma perspectiva histórica. Sabem o que escreveu Platão no século IV antes de Cristo? «O que está a acontecer aos nossos jovens? Eles desrespeitam os mais velhos, eles desobedecem aos pais, eles ignoram as leis. A sua moral está em queda. O que vai ser deles?» E o poeta grego Hesíodo, no século VIII antes de Cristo? «Não vejo qualquer esperança no futuro do nosso povo se ele estiver dependente da juventude frívola destes dias.» E que tal esta inscrição num túmulo egípcio com seis mil anos: «Vivemos tempos de decadência. Os nossos jovens já não respeitam os pais. São rudes e impacientes.» Os exemplos poderiam continuar, milénio após milénio, século após século, até aos nossos dias.Todas as gerações acham, em suma, que a geração que lhes sucede é uma ameaça à civilização e ao pouco civismo que resta no mundo. É um milagre que as décadas passem e o Apocalipse não chegue. Ainda por cima, tenho o privilégio de pertencer à geração que Vicente Jorge Silva, num editorial que ficou para a história, apelidou de "rasca", após alguns meninos terem decidido exibir as nalguinhas numa manifestação. Eu deveria ser, portanto, a ralé da ralé. Mas serei? E, segundo esta teoria da decadência da civilização por via genética, serão os meus filhos piores que eu?Caro leitor: não vá nessa conversa. Resista a todos os suspiros saudosistas, de um passado ordeiro e bem comportado que, na verdade, nunca existiu. Ou, se existiu, foi sempre pelas piores razões. Não estou a defender que não haja por aí excesso de laxismo, doses cavalares de mimo e alguns défices educacionais que superam em muito os três por cento admitidos pela Comunidade Europeia. Mas desenhar um grande quadro dramático, fingir que vivemos rodeados de uma tragédia grega em matéria de bons modos, é, pura e simplesmente, uma treta.Somos cuidadosos com os nossos filhos. Damos-lhes oportunidades que nos estiveram vedadas. Acreditamos que eles podem vir a ser melhore do que alguma vez fomos e fazemos tudo para que o tempo deles seja melhor do que o nosso alguma vez foi. Da próxima vez que ouvir alguém elogiar «antigamente», encolha os ombros e mande-o para Platão. Por uma vez, sejamos optimistas: não há razão para o amanhã não ser melhor que o ontem. E tem sido melhor, de há seis mil anos para cá.
Subscrevo, por completo, o conteúdo desta crónica. E acrescento que, se as gerações passadas estão insatisfeitas com a sua prole, só têm a si próprios para culpar: foram eles que a criaram.
5 comentários:
Quando se diz que «a vida não perdoa» é porque quando chega a altura de tomarmos as lides da "vida", ela já vem preparada e adornada pelas gerações anteriores - dos nossos pais, avós, bisavós, etc.
Não há rebeldia que vença a adaptação às condições materiais que nos rodeiam. Todos nós, por muito que sejamos "rebeldes", "desordeiros", "rudes" e gente "não-civilizada", temos de nos adaptar com o mundo que nos entregam.
Todos, se não quisermos ser atirados para a indigência material e de espírito, têm de fazer cedências para partilhar o modo de viver comum.
Contudo, os modelos sociais e económicos chegam ao fim e modificam-se e não são fruto da decadência moral de uma geração em particular, mas pelos erros acumulados de todas as anteriores gerações.
Mas já que estamos com a mão na massa. A actual juventude "desordeira" e "rebelde"? Onde? No centro comercial? Como? A consumir produtos até que pareçam estampas reais dos estereótipos que perpassam nos anúncios publicitários?
Esta juventude pode ser muita coisa, "desordeira" e "rebelde" é que me custa a acreditar...
Just my thoughts...
Como sempre, mais um post portentoso e excelso.
Esse João Miguel Tavares devia aparecer num sábado à noite à porta do Fortaleza. E aí veria que futuro nos reserva uma cambada de idiotas.
Felizmente que por cada dois atrasados mentais, aparece um gajo com juízo, que lá vai tentando pôr esta merda a andar para a frente, apesar de tanta areia na engrenagem.
Eu não sou do Restelo, pá! (Mas já fui lá muito feliz)
Obrigada por publicar a minha crónica.
Desde já me despeço,
JMT
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