Com muito atraso, aqui está a minha última crónica publicada:
Não é incomum ouvir algum músico jovem dizer que não canta em português. Atrevo-me a afirmar que serão uma boa maioria. Alguns dirão que estão mais habituados a ouvir música em inglês. Outros, mais ousados, gritarão aos sete ventos que é em inglês que sentem aquele “feeling”, aquela cena de artista.
Desengane-se quem acha que vou declarar o meu desprezo por estas pessoas. Pelo contrário, até acho que fazem muito bem. Afinal de contas, o risco de sair parolice se tentassem pela via lusa era muitíssimo superior. É um favor que nos fazem aos ouvidos.
Mas então, porque é que isto acontece? Porque é que a nossa língua é tantas vezes remetida para segundo plano?
Recordo-me de ter lido, em tempos idos, num artigo de uma revista estrangeira, uma frase bastante interessante. Cito de memória: “Em Portugal, considera-se quase um crime não escrever bom português”. Haveria aqui, claramente, exagero, não fosse o texto uma análise sobre três escritores nacionais. A verdade é que o português é uma “língua de doutores”, apesar de as pessoas não lhe darem o crédito que merecem. O nível de dificuldade, para fazer uma letra de uma canção decente, é extremamente superior à sua congénere anglo-saxónica.
Há dois factores que complicam, especialmente, os compositores portugueses: a falta de musicalidade natural da língua e a dificuldade em rimar sem soar forçado e/ou saloio. A nossa língua está cheia de palavras grandes em frases longas, complicando a métrica e os versos. A conjugação dos verbos também tem as suas particularidades, com os singulares às turras aos plurais, com os tempos metidos ao barulho. É preciso unhas para isto. É preciso garra.
Esta manifestação quase literária da música está patente naquela que é nossa criação musical mais conhecida, o fado. Quem alguma vez o cantou apercebe-se, rapidamente, que há algo deveras invulgar nele. Se precisasse de uma analogia para explicar a alguém o que é o fado, escolheria, sem dúvidas, o rally. As semelhanças são várias. É preciso dar muita mais atenção à técnica do que à força, preterindo a intensidade ao detalhe, ao ritmo. É difícil encontrar estilo em que as pausas façam tanta diferença.
Muito estudo e leitura são as duas componentes essenciais para escrever boas letras em português. E é preciso mais boa música portuguesa e em português. É que, para fazerem rimas no infinitivo à quadra antonina, mais vale investir em canas e anzóis.
PS: Para terem ideia de como os portugueses estimam o que é seu, comparem a quantidade de informação da página sobre Amália Rodrigues com a da Britney Spears, na Wikipedia em português.
Crónica publicada no ComUM Online.
1 comentário:
Gostei e concordo!
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