domingo, maio 25, 2008

Da Mediocridade

Um cheirinho sobre Direitos de Autor:

Como preferimos fazer o que fazemos melhor, os profissionais tendem a ser pessoas com capacidades inatas acima da média para desempenhar a sua profissão. Mas porque o excepcional é raro a diferença, em média, é pequena. Em média os taxistas não são condutores exímios, os professores não são extraordinariamente cultos e os contabilistas não são génios do cálculo. A diversidade dentro de cada grupo é maior que a diferença média aos outros grupos e, por isso, muitos “amadores” superam muitos profissionais. Até em profissões especializadas é fácil reconhecer que a diferença está principalmente na formação e que o dom pessoal é irrelevante, salvo raras excepções. A média é medíocre por definição.

Mas os meios de comunicação de massas apresentam músicos, jornalistas, escritores e realizadores como imunes a esta lei da probabilidade. Nestas profissões o excepcional é a norma e todos estão acima da média. Impossível, é certo, mas esta indústria vende fantasias e controlava quem dizia o quê e a quem. Foi-lhe fácil criar o mito do Autor. Este ser fantástico supostamente cria do nada coisas tão extraordinárias que merecem legislação especial para que a industria as possa vender enquanto contina com elas em sua posse.

E a ilusão era boa. Ninguém pagaria aulas de Francês se lhe proibissem de falar em público, mas a ideia que quem compra um CD com uma sequência de números está proibido de fazer contas com esses números e dar o resultado a outros não levantou protestos. A ausência de um manguito colectivo imediato testemunha a perfeição da ilusão. Muitos até acreditaram que era por serem bens intelectuais que estas coisas tinham que ser “protegidas”. Nem os anos de escola a aprender línguas e ciência nem a cultura que os rodeava fez duvidar que a produção intelectual humana carecesse de “protecção” jurídica.

Mas a ilusão era frágil. Só controlando a comunicação se podia esconder que autor é uma profissão como outra qualquer, com uma pitada de excepcional numa massa inevitavelmente medíocre. Não no sentido pejorativo mas no verdadeiro sentido da palavra. Faz volume sem ser bom nem mau*. Mas conforme o acesso se vai abrindo torna-se evidente que a maioria dos profissionais pagos para criar não são mais dotados que muitos amadores que criam porque lhes apetece.

A Web não tornou a cultura medíocre. A Web mostrou que sempre foi medíocre a maior parte da treta que nos vendiam como cultura.

No Que Treta!

5 comentários:

Trivela7 disse...

Já li o post duas vezes mas continuo sem ser capaz de formar uma opinião...
xx

Hugo Monteiro disse...

Eu tento pegar neste post de uma forma diferente à pretendida pelo autor. A conversa tradicional do "antigamente é que se faziam coisas boas, hoje em dia é só lixo" é criticada neste texto. Sempre houve coisas boas e coisas más numa razão proporcional. A questão é que, actualmente, existem muitos mais meios e muito mais pessoas a quem é possibilitada a capacidade de produzir algo. Cabe a cada um descobrir e escolher o que gosta e o que não gosta. Quem se queixa é, simplesmente, preguiçoso.

Se tens dúvidas relacionadas com a questão nuclear dos Direitos de Autor, podes explorar melhor o blogue do autor do texto e os comentários deste post.

NJRT disse...

Outro mito existente é o da Produtividade.
Esse tezto realça a qualidade boa, má ou medíocre dos trabalhos realizados pelas pessoas, mas a verdade é que a classificação de um trabalho nestes termos é pura abstração. Tu não podes dizer que um trabalho é bom ou mau, como se fosse tão fácil como isso aglutinar arte em duas definições que homogenizam o "pobre" e o "rico" num mesmo grupo. Existe rap e música clássica que eu gosto, tal como existe canções desses estilos que eu não gosto, que são "más" de acordo com o meu gosto, porém essas mesmas músicas que eu desgosto podem ser apreciadas por uma qualquer outra pessoa. Logo aí, vai-se a universalidade dos conceitos pelo cano abaixo. Tendo em conta que um único objecto pode ser classificado de mil vezes possíveis e imagináveis, o próprio objecto perde de vista qualquer tipo de universalidade e categorização, uma música que é «trash goth» pode afinal ser «new metal». Com a descaracterização do objecto, será correcto virarmo-nos para o gosto das pessoas e classificá-lo como "bom" ou "mau"? E como definiríamos o que é "bom" e "mau"? Será que as pessoas com mais dinheiro, poder, atracção física é que definem essas categorias? Mas se mesmo as gentes ricas, bonitas e poderosas são diferentes entre si, como restaurar o conflito dialéctico de gostos? Elas são diferentes porque pertencem a ambientes diferentes, a cultura de onde surgiram deixou-lhes uma impressão específica dos seus conterrâneos, dos seus antepassados, marcando-lhes para sempre a sua apreciação pelas coisas, desde a arte à comida. E aí, toda a universalidade dos conceitos é deitada abaixo por uma simples proposição como esta: «Se eu tivesse nascido na Alemanha em vez de Portugal teria gostos completamente diferentes». Não só gostos, mas também experiências e vida diferentes, seria um "eu" completamente diferente do que sou. E como nos demonstra a própria História, não existe nenhum povo que tenha resistido e dominado por tempo eterno para que se possa afirmar dono e senhor de qualquer coisa, qualquer arte, vivência ou trabalho.
Se bem virmos, não existe qualquer tipo de autoridade sobre o "bom" ou o "mau", estes conceitos são simples mecanismos que cada um usa subjectivamente para melhor se definir como indíviduo.
Porém, é inegável que a sociedade define as coisas em "boas" e "más" apesar da sua ilusória universalidade. A razão porque, talvez, isto aconteça é a existência de elementos que superam os outros nas categorias pré-estabelecidas, sejam a nível pessoal, social ou profissional, mas que superação é esta? Em que consiste? Cada categoria tem um modelo máximo de si mesmo, um objectivo abstracto que ao ser atingido se torna concreto. E cada vez que o é atingido, que se concretiza em algo real, "produz-se" algo, um operário numa fábrica de copos que os fabrique com rachas é improdutivo, é "mau", enquanto que um operário do mesmo sector que os fabrique inteiros e conforme o modelo, é "produtivo", é "bom". Acontece o mesmo em todos os outros sectores e categorias da nossa vida, aquilo que concretiza o objectivo abstracto da função a que nos aplicamos é "produtivo".
Adam Smith define a fonte da riqueza como a força de trabalho, «o trabalho anual de cada nação é o fundo primitivo que lhe fornece todos os objectos necessários e úteis à vida que todos os anos ela consome», é esta urgência de utilidade do trabalho que sustenta o modo de vida de uma nação, comunidade ou indivíduo que vai definir o que é "bom" e "mau" profissionalmente, esta utilidade materializa-se num processo de fabricação, a produtividade, que responde à concretização do modelo em produto.
Porém, a sociedade actual não é só feita de produtividade, do culto do modelo, mas também da sua inovação. Como sociedade que agradece o seu progresso e riqueza à Técnica, tudo o que a aperfeiçoe é do reino do excepcional, como força criativa racional aplicada à produtividade colectiva. É um dos fetiches do Capitalismo, a livre iniciativa dada à Razão do indivíduo tem o potencial de melhorar a vida do colectivo.
Mas a verdade, é que mesmo essa produtividade não é universal, senão vejamos um exemplo simples. Um casaco impermeável pode ser útil num clima frio e/ou chuvoso, mas em temperaturas quentes qual a sua real utilidade?
A verdade é que a produção existe por causa de um outro factor, o consumo, e este pode ser tão subjectivo e variável ao ponto de tornar a produção num conceito tão disperso como ele próprio. E num sistema capitalista, onde a produção é em massa e o consumo também o é, seria a morte do livre mercado se de um momento para o outro, a Técnica estagnasse e o que era produzido hoje seria-lo para o resto da História, no mundo do Capital, a sobrevivência mescla-se com superação e novas formas de produção, cada vez mais rápidas e produtivas, levam a ciclos de consumo mais rápidos, e apenas os que conseguirem inovar de forma mais produtiva e rápida, conseguem sobreviver, superando os outros, tornando-se este excepcional e todos os outros medíocres. Outro dos fetiches do Capitalismo, a Sobrevivência do mais forte.
Porém, tudo muda, se eu em vez do computador XPTO topo de gama que chegou agora às lojas, quiser um mais velhinho e barato, mesmo tendo um computador não sou tão produtivo quanto os que têm o computador XPTO e têm dinheiro para o comprar. Outro fetiche do Capitalismo, a criação de hierarquias.
É aquilo que aumenta a produtividade e propicia o progresso que é "bom", aquilo que consolida e aperfeiçoa o sistema que é aceite e promovido. É uma mera requisição do Mercado que define e classifica aquilo que é de si inclassificável.
Como término deste longo e cansativo post, faço um último apronto. Os Hebreus chamavam ao seu deus Yaveh, ou «Aquele que é», traduzido para português. Curioso que Algo que era digno de adoração e construção de templos e de estilos de vida não tenha recebido um nome como «Aquele que é bom», «Aquele que é inteligente», mas simplesmente «Aquele que é», pois na visão deste povo, um Deus à imagem dos humanos é aquele que Cria através do Verbo, através da materialização da Razão, um Deus dos Homens é aquele que potencia a Razão e o exercício judicativo dos indíviduos.

Hugo Monteiro disse...

Nélson, grande confusão que aí vai.

1º Aqui não fala em bom ou em mau em termos universais. A questão é que, antigamente, quando não existia Internet, as alternativas eram bastante escassas. Não havia partilha. Tinhas de comprar um CD/vinil para saber como era a música ou ouvir muitas horas de rádio e esperar que ela te aparecesse. Agora está tudo muito mais acessível a preços muito baratos. A própria produção de cultura também se tornou mais acessível. Há muito mais oferta. Muita boa e muita má. Mas é preciso perceber que continua a existir exactamente a mesma proporção de "notáveis".

2º Existe outro problema. A cultura é uma área fortemente subsidiada. Como em todas as áreas, o subsídio indiscriminado dá sempre problemas. É imperativo, portanto, definir aquilo que vale, ou não, a pena ser subsidiado. Caso a via escolhida seja essa. Há quem acredite que são os próprios subsídios que estão a corromper a cultura. Quem é que costuma receber apoios? Quem tem amigos nos júris que atribuem essas ajudas. Quem é que tem amigos nos júris? Os tipos que já têm impacto no mercado cultural. É um ciclo vicioso.

3º O Capitalismo obedece a um princípio de oferta e procura. Se tiver uma fábrica de copos e tiver um operário que os produza mal tenho duas hipóteses: deixo-o ficar na empresa por minha conta e risco ou corro com ele. Se ele demorar muito tempo ou nunca chegar a conseguir, vou estar a perder dinheiro. Dinheiro que podia ter sido investido em mais fábricas para criar mais postos de trabalho. A ineficiência é um mal que tem de ser combatido. Caso contrário, vamos todos padecer com isso, principalmente se ela existir em organismos públicos.

4º Se queres contestar a teoria do mais forte, vai até ao meio de um bosque e pergunta à árvore mais velha que lá estiver se acha que a sua durabilidade se deve a um capricho do Capitalismo. Depois vai a um formigueiro e pergunta à Rainha se elas estão assim organizadas por um capricho do Capitalismo. Curiosamente, a Internet existe devido à prosperidade económica mundial e ao desenvolvimento tecnológico fomentado pelo Capitalismo. É engraçado estar a comunicar por um meio gerado no seio do sistema que criticamos.

Rui Afonso disse...

Que grande discussão aqui vai. Com mais tempo, cá voltarei a dar as minhas achegas liberais capitalistas.