1- O que é a precariedade?
As pessoas, habitualmente, consideram precário o emprego que não está vinculado por um contrato duradouro (permanente, se possível), sendo também costume ligar esta designação à mão-de-obra "mal" remunerada.
2- Como funciona o mercado de trabalho?
Num mercado perfeito, a flexibilidade seria infinita. Isto significa total capacidade de deslocação da mão-de-obra ou das empresas de uma região para outra, aceitação de qualquer horário de trabalho e remuneração, entre outros factores. Porém, este cenário, é, não só, impossível, como, também, indesejado. Nada justifica a escravidão dos trabalhadores.
De tal forma, o sistema que existe é um meio caminho entre a inflexibilidade total e a flexibilidade perfeita. Isto significa que tanto os patrões como os empregados têm de fazer cedências.
Todos os mercados funcionam como "mega-leilões". Esses leilões estabelecem equilíbrios de poder, sendo esse poder atribuindo consoante o valor dos produtos. Se eu for o único perito em informática do planeta, as empresas que precisarem de vão pagar-me fortunas pelos meus serviços, caso eles fossem mesmo necessários (só me iriam pagar até ao ponto em que fosse mais proveitoso utilizar outra tecnologia). Da mesma forma, se todos os trabalhadores fossem peritos informáticos e apenas existisse uma única empresa interessadas nessa especialidade, todos eles iriam baixar os seus salários na esperança de obter um lugar na empresa (apenas até ao ponto em que seria mais proveitoso mudar de ramo). O mercado real é uma combinação entre estas duas realidades, mas com milhares de milhões de elementos.
3- Como surge a precariedade?
A precariedade (recibos verdes e afins) e o desemprego elevado costumam resultar de uma saturação na procura de emprego, relativamente à oferta. No caso português, isso acontece porque a economia não está a crescer a um ritmo saudável. A criação de emprego é ténue. O facto de muitas empresas estarem a falir, devido à reestruturação da economia, não ajuda. A razão porque há mais empresas a falir do que a serem criadas será discutida num post dedicado exclusivamente ao assunto.
4- Porque é que combater os recibos verdes (na actual conjectura económica) é má ideia?
Se estabelecermos 3 patamares de "segurança laboral", do mais seguro para o menos seguro, temos o contrato definitivo, o contrato a prazo/recibos verdes e o desemprego. O patamar "desemprego" pode não ser um tipo de segurança no trabalho, se formos exactos, mas serve para explicação que vou expor de seguida:
A) Muitos Empregos/Flexibilidade Alta: Muitos Definitivos; Alguns Recibos; Desemprego Baixo
B) Poucos Empregos/Flexibilidade Alta: Alguns Definitivos; Muitos Recibos; Desemprego Médio
C) Muitos Empregos/Flexibilidade Baixa: Muitos Definitivos; Poucos Recibos; Desemprego Médio
D) Poucos Empregos/Flexibilidade Baixa: Poucos Definitivos; Poucos Recibos; Desemprego Alto
O custo de empregar alguém é alto, assim como o risco. Os estágios, por exemplo, são uma forma do empregador e o empregado partilharem os riscos: o primeiro corre o risco de empregar um funcionário mau, enquanto o segundo corre o risco de ficar vinculado a um emprego que não lhe agrada (mau ambiente, má remuneração, falta de organização, sobrecarga de trabalho, etc). É óbvio que uma economia com fraca expansão económica reforça o poder dos patrões, visto que controlam uma percentagem maior da oferta de emprego, ficando os trabalhadores sujeitos a condições negociais menos favoráveis para eles. A imposição de regras para evitar o trabalho precário só vai aumentar o risco de empregar alguém, limitando o número de postos de trabalho disponível. Por outras palavras, o custo não-monetário (as restrições) vai acabar por ser mais prejudicial, a pôr gente no desemprego, do que benéfico, a dar-lhes empregos instáveis. O custo de isto não acontecer é a diminuição da produtividade das empresas ou a queda dos salários.
Por algum motivo, muitos dos países desenvolvidos começam a adoptar modelos de flexi-segurança. Curiosamente, os países nórdicos lideram a tabela dos países com maiores liberdades económicas, enquanto Portugal fica-se pelo 53º lugar. Basta dar um saltinho à página dos detalhes, mais concretamente ao peso do governo e a flexibilidade do trabalho, para perceber porque pontuamos tão baixo.
Qualquer dúvida, caixa de comentários.
PS: estreio, com este post, a etiqueta Rota das Especiarias, para assuntos económicos.
2 comentários:
ok, então diz-me porque é que quando um trabalhador tem estatuto de estagiário no emprego recebe menos do que fosse efectivo?
E quando está nesse emprego como estagiário, não só ganha menos, como quem lhe faz o contrato diz que aquele período é de formação e que os custos dessa tal formação vêm do salário do próprio trabalhador em vez da instituição empregadora.
Concordo com a ideia de que deve ser fácil ao trabalhador desvincular-se do emprego se não gosta dele por qualquer razão, ou ao patrão despedir o empregado por uma razão bem fundamentada perante o trabalhador e a Inspecção Geral do Trabalho.
Porém existe um claro aproveitamento por parte dos patrões no contínuo uso dos contratos de estágio para pagar menos ao trabalhador. Por vezes o empregador é capaz de renovar o contracto de trabalho a uma trabalhador continuando este a ser pago abaixo do que devia em condições que o podem levar a ser despedido mais facilmente, e enquanto assim for nenhuma retórica a favor da flexibilidade laboral vai vingar porque não é uma situação em que ambos ganham, como tanto clamam os adeptos do liberalismo capitalista, apenas o patrão/administração ganha do lucro que o trabalhador produz.
E tendo em conta o historial do capitalismo, desemprego existirá sempre, especialmente entre as camadas menos qualificadas da população, alia isso ao crescente custo do ensino, em especial no ensino superior que é um importante órgão educativo de especialização pessoal, tens sempre uma enorme massa populacional com uma situação muito precária na obtenção de emprego, pois não tem qualificações, tem encargos e precisa de se sustentar a qualquer custo. Mesmo que esse custo seja empregar-se num local onde não gosta de trabalhar, são-lhe removidos direitos, trabalha horas fora do estipulado e não é pago
respectivamente.
As liberdades de alguém que procura emprego são sempre escassas quando não tem as ferramentas educativas necessárias e estas lhe são vedadas por preços pura e simplesmente inacessíveis.
Como últimos apontamentos:
- Se vires bem a página dos detalhes e o seu top 10, toma atenção ao tamanho do governo dos dois primeiros classificados.
- A Irlanda é o terceiro país com mais liberdades económicas mas também oferece aos seus cidadãos educação pública e livre, serviço de saúde gratuito e uma assistência social aos desempregados e desfavorecidos.
- Por fim, o Heritage Foundation é uma dessas instituições que vê a América como o centro do mundo e tudo girando à volta dela, aliás, se vires bem o seu logo encontras bem perto a frase «Leadership for America».
1- Eu não disse como é que o risco dos estagiários era partilhado. Como é óbvio, muito desse risco é partilhado através de um salário inferior. O mesmo acontece aos funcionários mais novos em relação aos mais velhos. A fidelidade também se paga.
2- Os cursos técnicos/novas oportunidades são bastante acessíveis.
3- O desemprego sempre irá existir. A quantidade só irá depender da flexibilidade do mercado, ou seja, da facilidade de gerar ou eliminar postos de trabalho. Continuo a insistir num inquérito que realizaram há alguns anos em que a maior parte dos portugueses preferia trabalhar por conta de outrem. Afinal, ser patrão não deve ser tão fácil como isso, para as pessoas não estarem dispostos a isso.
4- O poder que é atribuído aos patrões não é resolvido com legislação ou com a pressão dos sindicatos. Só com uma melhoria na conjectura económica é que os trabalhadores conseguem melhores salários e melhores empregos.
5- Não é só entre os trabalhadores que a formação é baixa. Entre os gestores portugueses a formação é miserável, à volta de 7 anos de escolaridade em média. Em termos de comparação, eu tenho mais do dobro da escolaridade média do patronato português. Por alguma razão é que há poucas empresas pequenas/médias a tornarem-se grandes: é preciso muita organização e capacidade de gestão para isso.
Últimos apontamentos:
- O tamanho dos governos dos dois primeiros classificados é baixo. Qual é o problema?
- Nunca fui contra os modelos sociais bem feitos. Irlanda, Islândia, Dinamarca e afins conseguem ter apoios interessantes aos cidadãos sem destruir a economia. Isso não acontece cá em Portugal. Talvez seja mais um legado salazarista, visto que o regime habituou os portugueses ficarem à espera que os governos lhes resolvam a vida. Inevitavelmente, dá bronca.
Porque é que não referiste o facto da Irlanda ter um mercado de trabalho flexível?
- Estes relatórios foram feitos por uma organização conservadora dos EUA. Porém, os EUA não estão em 1º lugar, como seria previsível. Só pus o link do site porque me pareceu suficientemente imparcial e fiável.
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