quarta-feira, maio 20, 2009

A Valsa do Adeus

Milan Kundera é, desde há alguns anos, o meu romancista favorito. O último livro que li, da sua autoria, tem o nome deste post. Apesar de não ter o peso dramático das suas obras maiores ("A Insustentável Leveza do Ser" e, aquela que considero, simultaneamente, a sua obra-prima e o meu livro preferido, "A Imortalidade"), "A Valsa do Adeus" transmite toda a essência dos romances de Kundera, com o seu estilo de "experimentação social", em que atira as personagens para um contexto histórico e tenta extrair, daí, o enredo dos seus livros. Vou transcrever um trecho que me chamou a atenção, nesta obra:

Coçava o dorso do cão e pensava na cena que acabara de testemunhar. Os velhos senhores armados de longas varas confundiam-se para ele com os guardas prisionais, os juízes de instrução e os informadores que espiavam, tentando ver se o vizinho falava de política enquanto ia às compras. O que é que impelia aquelas pessoas para a sua actividade sinistra? A maldade? Sem dúvida, mas também o desejo de ordem. Porque o desejo de ordem quer transformar o mundo humano num reino inorgânico onde tudo funcional, bem regulado, onde tudo se encontra submetido a uma vontade impessoal. O desejo de ordem é ao mesmo tempo desejo de morte, porque a vida é perpétua violação da ordem. Ou, inversamente, o desejo de ordem é o pretexto virtuoso através do qual o ódio do homem pelo homen justifica as suas malfeitorias.

Depois, pensou na jovem loura loura que queria impedi-lo de entrar no Richmond (hotel) com o cão e experimentou por ela um ódio doloroso. Os velhos armados de varas não o irritavam, conhecia-os bem, previa-os, nunca duvidara que existissem e que existiriam sempre e seriam sempre seus perseguidores. Mas aquela mulher nova era a sua derrota. Era bonita e entrara e entrara em cena não como perseguidor mas como espectador que, fascinado pelo espectáculo, se identifica com os perseguidores. 

Jakub sentia-se sempre transido de horror ante a ideia de que os que assistem estão prontos a segurar a vítima durante a execução. Porque, com o tempo, o carrasco tornou-se figura próxima e familiar, ao passo que o perseguido tem qualquer coisa que tresanda a aristocrata. A alma da multidão, que se identificava outrora com os miseráveis perseguidos, identifica-se hoje com a miséria dos perseguidores. Porque a caça ao homem é no nosso século a caça aos priveligiados: aos que lêem livros ou que têm um cão.


7 comentários:

Anónimo disse...

és inteligente

Hugo Monteiro disse...

Vai passear :P

Riot disse...

Um técnico de electrónica, que agora está a tirar um mestrado para aprender a fazer sites, a ler Milan Kundera?

Pfff...vai masé ler Paulo Coelho e Dan Brown que já é muito bom para ti.

xD

Hugo Monteiro disse...

Riot:

Sim. E a fazer uns trabalhos muito catitas que até dão jeito a outras pessoas. Ca burro...

NJRT disse...

Só um aparte.

Existe ordem onde quer que exista um padrão, onde os eventos e as coisas tomam um certo rumo, passam por certos estágios pré-definidos.

É dizer que tudo tem estruturas e o "conteúdo" é obrigado a adaptar-se a essas estruturas, trabalhar e trabalhar-se nelas.

Relativamente à sociedade. Toda a sociedade existe num contexto de ordem civilizacional. Não acredito que essa ordem deixe de existir só porque o Estado tem menos presença nessa sociedade.

Mesmo sem Estado, estão lá as pessoas, e elas precisam de encontrar lugares comuns e regras comuns de relacionamento e subsistência.

A única maneira de escapar à ordem civilizacional seria isolar-se no meio da natureza, completamente desterrado da ordem humana. Mas mesmo assim, aí encontraria a ordem natural despida do artifício e manipulação do Ser Humano.

Antes de dizeres que não percebi nada do post ( :p )deixa-me dizer-te que isto é apenas uma reflexão livre sobre as palavras a negrito.

Anónimo disse...

A ordem (ou falta dela) é somente uma percepção que o Homem tem ao olhar para o mundo. Sem o raciocínio e o juízo do homem, tudo é vida e ciclos de vida. Até porque no aparente caos existe sempre um objectivo maior universal comum a todas as coisas. Pelo menos pa minha ideia xD

Falha

Victor disse...

Pois Kundera também é meu romancista preferido. Mas nada entendo de informática. =P