Corações partidos, almas chorosas e sonhos sorridentes fazem-se caros.
Eu não.
Escrevo-te em papel rasca com tinta barata. Aliás, a esferográfica nem sequer é minha: fanei-a.
Em tempo de crise, escrever é um bom investimento. As palavras ficam ao preço da chuva com a falta de procura.
Aprendi uma palavra nova, hoje. Escalfeta.
Diz que é para aquecer os pés. Tê-los quentes é particularmente agradável, no Inverno. Não concebo em que contexto poderei usar este substantivo. Pés é conversa que não me passa muito pela boca. Alguns têm-nos nas nuvens.
Tenho andado mundano, a pé. É quanto poupo.
Ao darmos os primeiros passos, sem ajuda, inscrevemo-nos, automaticamente, na lista dos preguiçosos crónicos. Há lá desculpa para ficar parado?
Tenho pensado muito nisso. Nem tenho feito a barba. Nenhum homem pode ser excelso sem barba. Esfrega-la ajuda o raciocínio. Tenho-a rala, visto que ando a fazer mira rente ao chão.
Tiro aos patos é para caçadores. Sou um bicho do mar.
E tenho letra feia. Disseram-me que tinha de melhora-la. Homologa-la. Taxa-la. Definir quotas, como fizeram às importações chinesas. Não ligo puto.
Afinal, só quero enriquecer às tuas custas. São palavras baratas que te vão sair caras. Teu perder, meu proveito.
(Este corredor onde me sento mediou o divórcio entre a Senhora das Dores e o Leandro. Curiosamente, só ele é que pára em casa dela. Nunca lá vi mais ninguém. Talvez ande metido com ela. Malditos advogados.)
Continuas a olhar para o tabuleiro. Vá lá. Não há grande ciência nisso. Já devias ter comido o peão há coisa de três semanas. Enquanto pensas, ando de mala às costas. A pé, de comboio... pouco importa.
Arranjo palavras a preços módicos, comprando-as por atacado.
Espero.
Os amores ficam para trás, nas estações. Mudos.
Sigo na carruagem que fugir mais cedo.
E sorrio.
A vantagem técnica da vida não andar às arrecuas.
Porto, 31 de Outubro de 2008